A Tragédia dos (Bens) Comuns e a Tirania das Pequenas Decisões

A Tragédia dos (Bens) Comuns e A Tirania das Pequenas Decisões

A Tragédia dos (Bens) Comuns (do inglês: The Tragedy of the Commons) é um conceito que foi introduzido pelo ecologista americano Garrett Hardin, em seu artigo The Tragedy of the Commons, publicado em 1968, na Revista Science. Ainda que a tradução mais comum que se encontre seja “A Tragédia dos Comuns”, essa não me parece a mais adequada,  já que no original “The Tragedy of the Commons”, a palavra “Commons” tem o sentido de “coletivo” ou “público”, e o simples emprego da palavra “Comuns” remete a pessoas, e não a bens, como é o caso. Por isso, com todo o respeito aos outros autores, usaremos aqui a tradução “A Tragédia dos Bens Comuns”.

Em seu artigo, Garrett Hardin exemplifica o conceito da seguinte forma: imagine um pasto aberto a todos. Ao longo dos anos, devido às guerras tribais, doenças, e outras dificuldades, os recursos se mantiveram suficientes para homens e animais. Porém, com a estabilidade social, isso muda. Cada dono de animal, como um ser racional, vai querer obter o maior ganho possível com o pasto. Dessa forma, o pastor, podendo adicionar um animal a mais no pasto, o fará, porque usará somente um pouco a mais do pasto, mas obterá um bom lucro a mais para ele. Ora, enquanto que, individualmente, o recurso é explorado para se obter o máximo ganho, coletivamente, esse recurso tende a se esgotar. Ou seja, a tragédia dos bens comuns ocorre quanto o indivíduo age em seu próprio interesse, ignorando o que é melhor para a coletividade.

A Tirania das Pequenas Decisões

Abordando o mesmo cerne filosófico da Tragédia dos Bens Comuns, mas num contexto mercadológico, o economista americano Alfred E. Kahn, em 1966 (dois anos, portanto, antes de Garrett Hardin publicar seu artigo), publicou o artigo The Tiranny of Small Decisions: Market Failures, Imperfection and the Limits of Economics. Nesse artigo, ele explica que a Tirania das Pequenas Decisões ocorre em uma situação em que várias decisões, individualmente pequenas e insignificantes, aparentemente racionais, resultam, cumulativamente, numa situação relevante, mas que  não é boa, nem desejada.

Exemplos do Dia-a-Dia

Exemplos conhecidos desses conceitos, no dia-a-dia, incluem a pesca predatória dizimando peixes (dourado, tubarão-branco, peixe-serra, baleia azul são alguns exemplos), a caça predatória extinguindo raças (elefante africano, rinoceronte branco, ariranha, arara-azul, são alguns exemplos), a extração predatória de madeira destruindo as florestas (vide o caso da Amazônia). Também é o caso do lixo jogado nas vias públicas, nos córregos e nas florestas; bem como a poluição ambiental das indústrias e dos automóveis; e o congestionamento das grandes cidades.

Curiosamente, um simples jantar de final de ano com os amigos pode ser outro exemplo. Se o local escolhido não fornece comandas individuais, ou se é combinado dividir a conta total pelo número de pessoas, o pensamento de cada um, provavelmente, será: se eu pedir o prato mais barato, e os outros pedirem os mais caros, eu acabarei pagando pelo mais caro, mas comendo o mais barato; se eu pedir um refrigerante, pagarei pela cerveja ou caipirinha que os outros pedirem; se eu não pedir sobremesa, pagarei por aqueles que comerem sobremesa. Dessa forma, a grande maioria acaba decidindo por pratos mais caros, por bebidas mais caras, e por sobremesa. O resultado será uma conta total bem mais cara do que seria na situação de comandas individuais…

E no Contexto das Organizações

Considerando o contexto das Organizações, encontramos, é claro, exemplos bem típicos. O mais característico deve ser, muito provavelmente, o uso dos banheiros. Cada um faz seu uso, gerando pouca (ou a menor possível) desorganização e sujeira, porém, após um dia de uso, o banheiro fica insuportavelmente sujo. Por quê? Porque ninguém limpa, e todos sujam um pouco. Da mesma forma, outras áreas comuns da Organização: um papelzinho de bala jogado no chão por um, uma guimba de cigarro jogada por outro, uma marca de barro no tapete por um desavisado, e assim por diante. Na copa da empresa também não é difícil encontrar exemplos: louça usada e não lavada, colherinha do café que sumiu, açúcar que acabou, mancha de sujeira no balcão, toalha suja, etc. Por quê? De novo, porque ninguém limpa, e todos sujam um pouco. Todos usam, consomem, mas poucos organizam e limpam.

Vemos o mesmo fenômeno ocorrendo no uso de equipamentos comuns, e a impressora é um exemplo clássico: quando você vai usar, o cartucho de tinta está no fim, ou o papel está acabando, ou pior, tem algum papel entalado dentro do compartimento. Não é diferente com o uso do veículo da empresa: combustível no nível baixo, carro sujo (interna e externamente), e problemas mecânicos não resolvidos. Isso tudo ocorre porque um bem comum, o mais das vezes, é interpretado como sendo de todos na hora de usufruir, e de ninguém na hora de conservar.

O Que Fazer?

Normalmente, as opções de ações a serem tomadas não são diferentes, trate-se de um bem público ou um bem privado Organizacional, e estão mais fortemente relacionadas a dois aspectos principais: mudança Cultural e regulamentação. A mudança Cultural, no sentido de alterar e moldar novos comportamentos, visa enfatizar a visão do todo e da coletividade, e os benefícios que isto trás. Já examinei os aspectos ligados à mudança Cultural no meu artigo Como Criar uma Cultura que Apoia as Mudanças?, mas, resumindo, ela está baseada em bons líderes (instruindo e orientando) e um forte programa de treinamento (também, instruindo e orientando) voltado a todas as partes interessadas. Já a regulamentação tem um aspecto prático, mas que, ainda que compulsório, ao longo do tempo também pode levar a uma mudança Cultural. A regulamentação deve prover, através de instruções normativas e procedimentos, a melhor forma de agir individualmente, ao mesmo tempo em que se mostre uma preocupação com a coletividade.

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